CAPÍTULO 4
ENVOLVIMENTO COM A “NOITE”
“Pow”. O barulho abafado ressoou
pela noite e durante algum tempo ficamos em silêncio, ouvidos atentos. Quando
voltamos a conversar discutimos.
- Seu idiota, você deixou
cair – falei “espumando” de raiva.
- Escapou droga, não tenho
culpa – defendeu-se meu amigo.
- Me Deixa “pescar” um
pouco.
Peguei a vara lacei um
litro de Old Parr e trouxe com cuidado.
- Pega, segura firme – e lá
se foi mais um litro.
Estávamos no meio do que
havíamos denominado como operação bebida. Durante muitas noites entrávamos
naquela casa de turistas ausentes e pescávamos os litros de vinho, conhaque,
whuisky, vodca, etc. A adega deveria ter uns dez metros quadrados, com
prateleiras a cada meio metro desde o teto até o solo, havia muita bebida.
Havíamos aprendido a beber nos fins de semana, precisávamos financiar nossa
farra. A partir daí não é difícil imaginar tudo o que aconteceu. Meu pai era
esperto, o pai do meu amigo extremamente desconfiado, por isso a solução foi
esconder tudo, enterrar. Durante a noite no meio do capim gordura, com uma
enxada na mão e uma sacola cheia na outra lá estávamos nós enterrando bebidas.
Da biruta em direção ao cais, um metro, enterrava e marcava, dois metros
enterrava e marcava, tínhamos um mapa para não perder a localização.
Era muita bebida, era muita
coisa, foram muitos dias. Levamos praticamente todo o bar que havia na casa.
Podíamos com isso subsidiar nossas empreitadas noturnas. Começamos a organizar
bailes e bancávamos o suprimento de bebidas para os amigos, com nosso “tesouro”
enterrado. Durante muito tempo nosso suprimento bancou nossa orgia, isto foi o
passo inicial para a sucessão de fatos que se seguiriam, daí em diante comecei
a me enterrar na noite, na boêmia, na vida desregrada.
Comecei a freqüentar boates
aos quatorze anos, com dezesseis realizamos a operação bebida. Outras se
sucederam com o passar do tempo: operação cabrito, operação galinhas,
operação... Cada uma destas operações garantia farras e banquetes. À distância
que me separava de Deus aumentava cada vez mais, meu coração endurecia a cada
dia e cada ano que passava. Na parábola do filho pródigo, Deus deixa claro, que
seu filho enquanto tinha dinheiro, nem por um minuto se lembrou de casa e na minha
experiência como filho pródigo, consumia tudo de bom que Deus havia me dado,
até mesmo a saúde que é um bem essencial e a reserva de frutos do espírito
recebida na igreja, tudo foi se consumindo e esvaziando, gastei até acabar tudo
e ficar duro, frio, calculista e vazio.
Com dezessete anos me
apaixonei por uma moça, troquei juras de amor, fui estudar em São Paulo e no
ano seguinte, quando voltei encontrei-a grávida de outro. Foi um duro golpe que
me empurrou mais ainda na orgia em que participava. Daí em diante, perdi todos
os escrúpulos que tinha com tudo que se encontrava em minha volta, afinal de
contas, havia perdido o direito de ser feliz, porque iria me preocupar com a
felicidade dos outros? Meu coração desviado dos caminhos do Senhor perdia toda
a sensibilidade, se é que ainda existia alguma, e fui ficando mias frio e
calculista na busca do prazer, do meu prazer somente, pois o egoísmo tomava
conta de meu ser. Sempre evitei entrar em uma família estruturada e perverter
alguém que não fazia parte do meu mundo[1],
porém quem lá se encontrava nada mais era, do que objetos de prazer, assim eu
pensava, assim eu agia e os frutos de minha vida desregrada nada tinham, que eu
pudesse me orgulhar. Se em meus dias de adolescência a AIDS existisse da forma
que existe hoje, com certeza teria me apanhado em uma dessas voltas que esse
mundo dá, mas até nisso fui feliz, pois com certeza escapei, Deus tinha algo
especial reservado para mim.
Cheguei a ponto de receber
uma ameaça de meu pai, de ser colocado para fora de casa, porque os problemas
com mulheres que diziam ter um filho meu, começaram a perturbar o cotidiano da
família e criar tribulações em sua vida como crente. Isto não freou minha escalada
em direção ao inferno, apenas me obrigou a viajar para longe, para que não se
refletisse em minha família as orgias em que eu participava. Fiquei perito em
fugir de responsabilidades e de esconder minha vida cotidiana, era conhecido na
família como um sujeito extremamente irresponsável e quiçá até mesmo a “ovelha
negra”. Nunca me importei muito com o fato e nunca pensei ao menos em tentar
reverter à situação, simplesmente não me preocupava com isso e prosseguia em
uma escalada, que eu sabia, não teria um final feliz se alguma coisa nova não
acontecesse.
Observando hoje a
trajetória de muitos de meus amigos de farra, percebo que Deus me livrou de um
final triste, pois alguns acabaram em drogas, crivados de balas, em bebidas,
outros infelizes e solitários e assim por diante, mas ao aceitar a oportunidade
que me foi oferecida pelo Criador, muito embora tenha passado por momentos de
extrema tribulação, escapei de ter o mesmo destino e adquiri bagagem para
aconselhar a outros, a escapar por sua vida, de trajetória de vida semelhante a
minha. Grande tem sido minha felicidade quando recebo noticias que alguns
desses amigos encontraram o caminhão da salvação através de Cristo, mas poucos
são os que escaparam.
[1]
Talvez minha criação de origem cristã ainda exercesse certa influência nas
decisões da minha vida.
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