segunda-feira, 4 de junho de 2012

TESTEMUNHO - CAPÍTULO 20


            CAPÍTULO 20


SALVAÇÃO E MILAGRES

- Estou muito doente, neste lugar não tem remédio, nem médico, nem hospital e estou muito mal. Cura-me Senhor, se não a cruzada vai acabar amanhã, porque minha garganta está ruim, está piorando, parece infeccionada. Cura-me, por favor...

Era madrugada, podia ouvir o barulho dos animais na noite. Ouvia o ronco de irmãos que dormiam ao lado, o glorificar constante do irmão Oliveira dormindo. Perguntava-me como é que ele conseguia elevar a voz e glorificar a Deus no meio do sono. Estava preocupado, iria pregar no dia seguinte em um culto ao ar livre, porém a gripe que havia me atacado não me deixava dormir. A garganta doendo, inflamada com certeza estava provocando febre, porque sentia um pouco de frio. Já havia pedido para me substituírem no culto dessa noite que passou. O irmão que me substituiu também estava desgastado e meio rouco, afinal de contas estávamos há dias pregando a palavra de Deus de cidade em cidade. Lembrei-me de alguns nomes: Goiânia, Araguaína, Wanderlândia, Darcinópolis, Mosquito, Estreito do Maranhão, Estreito do Tocantins, Luzinópolis, Piraquê, Xambioá, São Geraldo do Araguaia. Algumas na primeira cruzada. Outras na segunda. Eram muitos lugares, viagens no meio da madrugada. Distâncias consideráveis. Calor em excesso, cansaço, água gelada e agora essa gripe.

- Cura-me Senhor. Preciso dessa benção. Por favor, cura-me...

Varei a noite, toda a madrugada, só piorei e muito. Lá pelas tantas fechei os olhos e dormi um pouquinho. Acordei mais enfermo, pior ainda, irritado. “Afinal estou trabalhando para o Senhor, não custa nada o Senhor me curar”. Pensava. E nada.

“OK!”. Propus em meu coração. “Vou fazer minha última pregação. Vou dar tudo que posso. Vou me esforçar. Vou forçar minha garganta ao máximo, vou ficar rouco, vou piorar e vou cancelar todas as duas semanas que estão pré-marcadas. Depois vou embora para casa”. Após uma noite de desespero e um dia luta com aquela enfermidade, sem remédios, minha irritação, minha decepção e meu ânimo haviam alcançado um alto grau de saturação.

Perguntei para os irmãos sobre hospital, farmácia, cadeia. Parecia que estava em outro mundo. Não havia nada como nós conhecemos por aqui. A farmácia era um Box com pouquíssimas opções de remédios (encontrei apenas um xarope antitussígeno) e a cadeia era uma casinha sem reforço, que servia para abrigar algum desviado beberrão em algum excesso. Hospital não existia e médico só na cidade vizinha.

- Não tem bandido por aqui?

- Não o último que roubou um carro por aqui foi anunciado no alto falante da igreja, todo o povo orou e o sujeito não foi longe, foi pego na estrada, preso e o carro foi devolvido.

- Mas deve morrer muita gente de enfermidades por aqui, não é mesmo?

- Não. Aqui a igreja ora e Jesus cura. O que não tem fé tem que enfrentar a viagem até o Estreito.

Lembrei-me da viagem de Wanderlândia até o estreito do Maranhão. Depois a estrada de chão batido e piçarra (pedrisco semelhante a bolinhas de gude), até São Pedro dos Crentes e senti um frio na coluna. Será que eu ficaria conhecido como o homem sem fé, que seria levado doente daquele lugar.

“Jesus tem misericórdia de mim porque estou ‘enrolado’”.

A cidade de São Pedro dos Crentes havia saído em uma revista evangélica da CPAD, como a cidade com maior proporção de crentes em todo o Brasil. Pedi para o irmão Oliveira incluir uma visita ao lugar apenas para que pudesse conhecer. Tivemos que trocar de veículo com o Pastor de Araguaína para poder chegar ao local. Pedimos a dois pastores do mesmo ministério para nos acompanhar porque desconhecíamos o local, seu pastor e sua igreja. Agora eu estava lamentando minha idéia maluca de conhecer um lugar fora da programação.

A cidade era uma benção. Não devia ter mais de cinco mil habitantes. Um quarto de seus habitantes cabia dentro da igreja. Um alto falante que alcançava quilômetros impedia que qualquer um de seus habitantes deixassem de participar do culto fazendo chamados constantes. O pastor podia falar com toda a igreja a hora que quisesse pelo sistema de alto falante. Era incrível. Quando entramos na cidade saudamos todos os seus habitantes de forma indiscriminada com a paz do Senhor e todos respondiam transmitindo essa mesma paz. Lugar maravilhoso. A escola era atendida por ônibus que buscava a todos na periferia. O índice de mortalidade era um dos menores do Estado. Por isso a cidade recebeu a visita da governadora Roseana Sarney, que queria saber como esta cidade conseguia ter índices semelhantes aos de cidades em países civilizados. Com certeza a mão de Deus estava nesse negócio. Eu até queria aproveitar melhor esses momentos, mas estava passando mal, muito mal e teria que pregar no ar livre no dia seguinte. Nesse momento, meu lamento era muito grande e a pressão psicológica da situação me deixava muito irritado.

O culto ao ar livre seria feito em um bairro onde era grande o número dos desviados. A cidade na época tinha mais de oitenta por cento de crentes da Assembléia de Deus. Os desviados e não crentes ao que parece acabaram se concentrando em lugar que era o alvo dos cultos ao ar livre, e, ao que parecia me coube fazer boa parte do serviço naquela noite. Levaram um caminhãozinho para o centro do bairro. O som era extremamente bom. Deram início ao culto. Havia muita gente participando. Louvores, adorações, orações. O irmão Oliveira naquela noite contou o testemunho de sua filha Adriana, uma dentista muito conhecida em Caraguatatuba, esposa do Pastor Marcos Paulo da igreja Graça e Vida. A emoção tomou conta de todos, a partir do irmão que contava o testemunho. O culto tomava um rumo muito bom do ponto de vista espiritual. Conseguia perceber o Espírito de Deus conduzindo toda a situação. Estava tudo muito bom. Tudo direcionado. Sabia que havia um propósito definido de Deus e faria parte dele. Não poderia decepcionar a todos. Tinha que dar o melhor de mim. Com gripe ou sem gripe, garganta inflamada ou não, tinha que fazer minha parte, e, se possível, bem feita. Esqueci da dor, esqueci da doença. Senti meu corpo aquecer, minhas forças voltarem. O Espírito de Deus em determinados momentos faz com que tudo fique para trás. Só interessam o propósito de Cristo, salvação, libertação de almas oprimidas pelo Diabo e uma grande responsabilidade sobre os ombros do pregador.

Preguei, preguei e preguei. Vi Demônios rolando lá embaixo. Pastores expulsando. Vi gente caindo debaixo da unção que se derramava no local. Vi gente falando em línguas estranhas. Vi muita gente chorando. Vi muita gente aceitando a Jesus. Quarenta e nove no ar livre, somado aos três do dia anterior daria um total de cinqüenta e três almas que aceitavam ou voltavam ao aprisco do Senhor. De cima do caminhão. Tentando concatenar o pensamento para não perder o rumo da mensagem assistia a tudo aquilo. Esqueci completamente que estava doente, que estava muito mal de saúde. Fiz o convite para aceitarem a Jesus. Fiz a oração. Transpirava por todos os poros. Entreguei o microfone. O pastor falava de um terreno que tinha no local e na necessidade de fazer imediatamente um templo, para abrigar todos os que estavam aceitando a Jesus. De repente lembrei que não sentia mais minha gripe, não sentia mais minha garganta, não sentia o peito arfando com dificuldade de respirar.

“Estou curado”. Pensei. “O Senhor me curou em meio à pregação”. Não conseguia lembrar o momento, mas percebi que Deus havia feito a obra na minha vida concomitantemente ao momento em que fazia sua obra. “Cuido de sua obra e o Senhor cuida de mim”. Pensei.

Assim tem sido durante todo o tempo. Quando entramos na folha de pagamento de Cristo temos direito ao pacote de bênçãos que acompanha a salvação. Por isso minha pregação vai sempre ser a salvação das almas da perdição eterna, mas sem esquecer que um pacote de promessas e de bênçãos acompanha esta salvação, suprindo ao pregador e a todos, de todas as necessidades até que tudo se consuma.

Ainda tinha um longo período de trabalho até consumar aquela cruzada, mas daí em diante tudo o que aconteceu foram bênçãos e alegrias, pois estimulado pelo resultado daquela pregação e pela cura divina acontecida de surpresa, durante aqueles momentos preciosos, o resto do mistério foi desenrolado sem problemas.

Pregar Jesus com trabalho sob encomenda é uma faca de dois gumes, por um lado é uma delícia fazer o papel de o anjo mensageiro e ver o efeito da glória de Deus atingindo vidas. É trabalho semelhante ao do sangue, dentro do corpo humano oxigenando e suprindo células, é realmente delicioso. O difícil é quando se marca um trabalho para trinta ou sessenta dias depois e o tempo fecha, a doença vem, somada ao cansaço da vida de trabalho cotidiano, o ânimo entra em “queda vertical”, e o trabalho tem que ser feito, porque alguém do outro lado está contando com ele. Após a preparação de uma festa que envolve tempo, serviço e dinheiro, existe sempre uma grande expectativa para a chegada do pregador. Nessa hora, só a misericórdia divina e a oração dos irmãos é que pode movimentar nossas forças frágeis em direção à conclusão do mesmo.

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